17 dez 2013

Mudanças Climáticas Intensas

Caso as emissões de gases do efeito estufa continuem crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8 graus Celsius neste século – o que poderá resultar em uma elevação de até 82 centímetros no nível do mar e causar danos importantes na maior parte das regiões costeiras do globo.

ipcc

O alerta foi feito pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), que divulgaram no dia 27 de setembro, em Estocolmo, na Suécia, a primeira parte de seu quinto relatório de avaliação (AR5). Com base na revisão de milhares de pesquisas realizadas nos últimos cinco anos, o documento apresenta as bases científicas da mudança climática global.

De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos seis brasileiros
que participaram da elaboração desse relatório, foram simulados quatro diferentes cenários de concentrações de gases
de efeito estufa, possíveis de acontecer até o ano de 2100 – os chamados “Representative Concentration Pathways (RCPs)”.

“Para fazer a previsão do aumento da temperatura são necessários dois ingredientes básicos: um modelo climático e um cenário de emissões. No quarto relatório (divulgado em 2007) também foram simulados quatro cenários, mas se levou em conta apenas a quantidade de gases de efeito estufa emitida. Neste quinto relatório, nós usamos um sistema mais completo,
que leva em conta os impactos dessas emissões, ou seja, o quanto haverá de alteração no balanço de radiação do sistema
terrestre”, explicou Artaxo, que está em Londres para a FAPESP Week London, onde participou de um painel sobre mudança
climática.

O balanço de radiação corresponde à razão entre a quantidade de energia solar que entra e que sai de nosso planeta, indicando o quanto ficou armazenada no sistema terrestre de acordo com as concentrações de gases de efeito estufa, partículas de aerossóis emitidas e outros agentes climáticos.

O cenário mais otimista prevê que o sistema terrestre armazenará 2,6 watts por metro quadrado (W/m2) adicionais.
Nesse caso, o aumento da temperatura terrestre poderia variar entre 0,3 °C e 1,7 °C de 2010 até 2100 e o nível do mar
poderia subir entre 26 e 55 centímetros ao longo deste século.

“Para que esse cenário acontecesse, seria preciso estabilizar as concentrações de gases do efeito estufa nos próximos 10
anos e atuar para sua remoção da atmosfera. Ainda assim, os modelos indicam um aumento adicional de quase 2 °C na
temperatura – além do 0,9 °C que nosso planeta já aqueceu desde o ano 1750”, avaliou Artaxo.

O segundo cenário (RCP4.5) prevê um armazenamento de 4,5 W/m2. Nesse caso, o aumento da temperatura terrestre seria entre 1,1
°C e 2,6 °C e o nível do mar subiria entre 32 e 63 centímetros. No terceiro cenário, de 6,0 W/m2, o aumento da
temperatura varia de 1,4 °C até 3,1 °C e o nível do mar subiria entre 33 e 63 centímetros.

Já o pior cenário, no qual as emissões continuam a crescer em ritmo acelerado, prevê um armazenamento adicional de 8,5 W/m2.
Em tal situação, segundo o IPCC, a superfície da Terra poderia aquecer entre 2,6 °C e 4,8 °C ao longo deste século, fazendo
com que o nível dos oceanos aumente entre 45 e 82 centímetros.

“O nível dos oceanos já subiu em média 20 centímetros entre 1900 e 2012. Se subir outros 60 centímetros, com as marés, o
resultado será uma forte erosão nas áreas costeiras de todo o mundo. Rios como o Amazonas, por exemplo, sofrerão forte
refluxo de água salgada, o que afeta todo o ecossistema local”, disse Artaxo.

Segundo o relatório AR5 do IPCC, em todos os cenários, é muito provável (90% de probabilidade) que a taxa de elevação dos
oceanos durante o século 21 exceda a observada entre 1971 e 2010. A expansão térmica resultante do aumento da temperatura
e o derretimento das geleiras seriam as principais causas.

O aquecimento dos oceanos, diz o relatório, continuará ocorrendo durante séculos, mesmo se as emissões de gases-
estufa diminuírem ou permanecerem constantes. A região do Ártico é a que vai aquecer mais fortemente, de acordo com o
IPCC.

Segundo Artaxo, o aquecimento das águas marinhas tem ainda outras consequências relevantes, que não eram propriamente
consideradas nos modelos climáticos anteriores. Conforme o oceano esquenta, ele perde a capacidade de absorver dióxido de
carbono (CO2) da atmosfera. Se a emissão atual for mantida, portanto, poderá haver uma aceleração nas concentrações desse
gás na atmosfera.

“No relatório anterior, os capítulos dedicados ao papel dos oceanos nas mudanças climáticas careciam de dados experimentais. Mas nos últimos anos houve um enorme avanço na ciência do clima. Neste quinto relatório, por causa de medições feitas por satélites e de observações feitas com redes de boias – como as do Projeto Pirata que a FAPESP financia no Atlântico Sul –, a confiança sobre o impacto dos oceanos no clima melhorou muito”, afirmou Artaxo.

Acidificação dos oceanos – Em todos os cenários previstos no quinto relatório do IPCC, as concentrações de CO2 serão maiores em 2100 em comparação aos níveis atuais, como resultado do aumento cumulativo das emissões ocorrido durante os séculos 20 e 21. Parte do CO2 emitido pela atividade humana continuará a ser absorvida pelos oceanos e, portanto, é “virtualmente certo” (99% de probabilidade) que a acidificação dos mares vai aumentar. No melhor dos cenários – o RCP2,6 –, a queda no pH será entre 0,06 e 0,07. Na pior das hipóteses – o RCP8,5 –, entre 0,30 e 0,32.

“A água do mar é alcalina, com pH em torno de 8,12. Mas quando absorve CO2 ocorre a formação de compostos ácidos. Esses
ácidos dissolvem a carcaça de parte dos microrganismos marinhos, que é feita geralmente de carbonato de cálcio. A
maioria da biota marinha sofrerá alterações profundas, o que afeta também toda a cadeia alimentar”, afirmou Artaxo.

Ao analisar as mudanças já ocorridas até o momento, os cientistas do IPCC afirmam que as três últimas décadas foram
as mais quentes em comparação com todas as anteriores desde 1850. A primeira década do século 21 foi a mais quente de
todas. O período entre 1983 e 2012 foi “muito provavelmente” (90% de probabilidade) o mais quente dos últimos 800 anos. Há
ainda cerca de 60% de probabilidade de que tenha sido o mais quente dos últimos 1.400 anos.

No entanto, o IPCC reconhece ter havido uma queda na taxa de aquecimento do planeta nos últimos 15 anos – passando de 0,12
°C por década (quando considerado o período entre 1951 e 2012) para 0,05°C (quando considerado apenas o período entre 1998 e
2012).

De acordo com Artaxo, o fenômeno se deve a dois fatores principais: a maior absorção de calor em águas profundas (mais
de 700 metros) e a maior frequência de fenômenos La Niña, que alteram a taxa de transferência de calor da atmosfera aos
oceanos. “O processo é bem claro e documentado em revistas científicas de prestígio. Ainda assim, o planeta continua
aquecendo de forma significativa”, disse.

Há 90% de certeza de que o número de dias e noites frios diminuíram, enquanto os dias e noites quentes aumentaram na
escala global. E cerca de 60% de certeza de que as ondas de calor também aumentaram. O relatório diz haver fortes
evidências de degelo, principalmente na região do Ártico. Há 90% de certeza de que a taxa de redução da camada de gelo
tenha sido entre 3,5% e 4,1% por década entre 1979 e 2012.

As concentrações de CO2 na atmosfera já aumentaram mais de 20% desde 1958, quando medições sistemáticas começaram a ser
feitas, e cerca de 40% desde 1750. De acordo com o IPCC, o aumento é resultado da atividade humana, principalmente da
queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, havendo uma pequena participação da indústria cimenteira.

Para os cientistas há uma “confiança muito alta” (nove chances em dez) de que as taxas médias de CO2, metano e óxido nitroso
do último século sejam as mais altas dos últimos 22 mil anos. Já mudanças na irradiação solar e a atividade vulcânica
contribuíram com uma pequena fração da alteração climática. É “extremamente provável” (95% de certeza) de que a influência
humana sobre o clima causou mais da metade do aumento da temperatura observado entre 1951 e 2010.

“Os efeitos da mudança climática já estão sendo sentidos, não é algo para o futuro. O aumento de ondas de calor, da
frequência de furacões, das inundações e tempestades severas, das variações bruscas entre dias quentes e frios provavelmente
está relacionado ao fato de que o sistema climático está sendo alterado”, disse Artaxo.

Impacto persistente – Na avaliação do IPCC, muitos aspectos da mudança climática vão persistir durante muitos séculos mesmo se as emissões de gases-estufa cessarem. É “muito provável” (90% de certeza) que mais de 20% do CO2 emitido permanecerá na atmosfera por mais de mil anos após as emissões cessarem, afirma o relatório.

“O que estamos alterando não é o clima da próxima década ou até o fim deste século. Existem várias publicações com
simulações que mostram concentrações altas de CO2 até o ano 3000, pois os processos de remoção do CO2 atmosférico são
muito lentos”, contou Artaxo.

Para o professor da USP, os impactos são significativos e fortes, mas não são catastróficos. “É certo que muitas regiões
costeiras vão sofrer forte erosão e milhões de pessoas terão de ser removidas de onde vivem hoje. Mas claro que não é o fim
do mundo. A questão é: como vamos nos adaptar, quem vai controlar a governabilidade desse sistema global e de onde
sairão recursos para que países em desenvolvimento possam construir barreiras de contenção contra as águas do mar, como
as que já estão sendo ampliadas na Holanda. Quanto mais cedo isso for planejado, menores serão os impactos
socioeconômicos”, avaliou.

Os impactos e as formas de adaptação à nova realidade climática serão o tema da segunda parte do quinto relatório do
IPCC, previsto para ser divulgado em janeiro de 2014. O documento contou com a colaboração de sete cientistas
brasileiros. Outros 13 brasileiros participaram da elaboração da terceira parte do AR5, que discute formas de mitigar a
mudança climática e deve sair em março.

De maneira geral, cresceu o número de cientistas vindos de países em desenvolvimento, particularmente do Brasil, dentro
do IPCC. “O Brasil é um dos países líderes em pesquisas sobre mudança climática atualmente. Além disso, o IPCC percebeu que,
se o foco ficasse apenas nos países desenvolvidos, informações importantes sobre o que está acontecendo nos trópicos poderiam
deixar de ser incluídas. E é onde fica a Amazônia, um ecossistema-chave para o planeta”, disse Artaxo.

No dia 9 de setembro, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgou o sumário executivo de seu primeiro
Relatório de Avaliação Nacional (RAN1). O documento, feito nos mesmos moldes do relatório do IPCC, indica que no Brasil o
aumento de temperatura até 2100 será entre 1 °C e 6 °C, em comparação à registrada no fim do século 20. Como
consequência, deverá diminuir significativamente a ocorrência de chuvas em grande parte das regiões central, Norte e
Nordeste do país. Nas regiões Sul e Sudeste, por outro lado, haverá um aumento do número de precipitações.

“A humanidade nunca enfrentou um problema cuja relevância chegasse perto das mudanças climáticas, que vai afetar
absolutamente todos os seres vivos do planeta. Não temos um sistema de governança global para implementar medidas de
redução de emissões e verificação. Por isso, vai demorar ainda pelo menos algumas décadas para que o problema comece a ser
resolvido”, opinou Artaxo.

Para o pesquisador, a medida mais urgente é a redução das emissões de gases de efeito estufa – compromisso que tem de
ser assumido por todas as nações. “A consciência de que todos habitamos o mesmo barco é muito forte hoje, mas ainda não há
mecanismos de governabilidade global para fazer esse barco andar na direção certa. Isso terá que ser construído pela
nossa geração”, concluiu.

Fonte: https://www.ambienteenergia.com.br/index.php/2013/09/mudancas-climaticas-intensas/23381